Suicídio e Economia: Análise Psicológica | Por Cláudio R. Garcia

O caos social, a desesperança, a desinformação propagada de forma maliciosa, somada a perdas de pessoas próximas, geram muito mais do que desespero e esse é um estado de calamidade pública que precisa ser discutido e pautado com urgência.

Introdução

O Setembro Amarelo traz muito mais do que discussões e frases rotineiras, opõe uma reflexão sobre a temática e tudo o que a envolve, incluindo fatores que desencadeiam transtornos e crises, aumentam a ideação suicida e o suicídio propriamente dito.

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), através do relatório chamado Suicide Worldwide (2019), 79% dos suicídios ocorrem em países de baixa e média renda, pela análise de 2016. A Organização aponta que quase um milhão de pessoas morrem por suicídio anualmente, além da tentativa de suicídio, que apresenta um número significativamente maior.

A tentativa é o maior fator de risco para que a vítima cometa, de fato, o suicídio – sendo essa a segunda principal causa de morte entre jovens e adultos. A cada quarenta segundos uma pessoa morre por suicídio no planeta, já as tentativas de suicídio acontece a cada três segundos. 

No Brasil foram constatadas 13 mil mortes por suicídio por ano, um número que pode ser maior devido as subnotificações. É um aumento de 12% em quatro anos, sendo que 2011 foram registrados 10.490 mortes e em 2015 11.736 mortes, segundo os dados do Ministério da Saúde. 

O relatório apontou que homens cometem mais suicídio do que mulheres, sendo 12,6 a cada 100 mil homens e 5,4 a cada 100 mil mulheres. 

Devido aos dados coletados, a Organização publicou uma orientação internacional, chamada de “Abordagem LIVE LIFE”, trata-se de um instrumento amplamente divulgado para prevenir o suicídio. Dentre as quatro estratégias, é sugerido que seja limitado o acesso aos métodos de suicídio, reportagens responsáveis acerca da temática, promoção de habilidades socioemocionais com adolescentes e a identificação precoce, seguida de avaliação, gestão e acompanhamento efetivo de qualquer paciente que tenha ideação suicida.

Suicídio, Economia e História

O suicídio sempre esteve presente na história, como descrevo no livro recém publicado “Prevenção do Suicídio e Abordagem na Comunicação de Eventos Trágicos” (2021). 

Pouco compreendido em tempos remotos, foi pauta de seguimentos religiosos, de punições, de mecanismos de escapes, até mesmo da cultura de algumas comunidades. Com a evolução e o avanço da ciência, pesquisas médicas e psicológicas passaram a dividir espaço com os dados sociais, compreender essa demanda e as causas desse transtorno (CID CID 10 X70 / X78 – Lesão autoprovocada intencionalmente) foi o fator determinante para desenvolver mecanismos preventivos e de acolhimento.

O ano de 1929 foi marcado pela Grande Depressão, Nova York sofreu com a queda da bolsa, como consequência dispararam os casos do suicídio, o tema invadiu a psique popular com cenas e relatos registrados pela imprensa, foram mortes e tentativas em diversos lugares públicos. Os períodos seguintes, que se estendeu até 1932, registraram uma inflação nos casos de óbitos em decorrência do suicídio. Desemprego, falência, desespero, divórcio, foram os principais motivos.

A Grécia era o país com menor taxa de suicídio, o país sequer levantava preocupação das organizações de saúde, mas essa estatística mudou após crises financeiras e recessão do país em meados dos anos 2008. 

O “Plano Collor”, de 1990, chamado popularmente de confisco da poupança, também protagonizou diversos suicídios. Muito mais do que uma crise econômica, a intervenção causou perda de bens, moradia, controle alimentar. 

Fernando Collor de Mello declarou no dia 16 de março de 1990: “Não temos mais alternativas. (…) O Brasil não aceita mais derrotas. Agora, é vencer ou vencer. Que Deus nos ajude”.

O plano congelou salários e preços, demissões de autarquias, demissão de funcionários públicos. 

Cinquenta mil cruzados novos poderiam ser sacados, o que valeria hoje aproximadamente R$ 5.500,00, todo o restante ficou retido no banco, a proposta era que o dinheiro confiscado rendesse a juros de 6% ao ano e que quando liberado o valor seria convertido em cruzeiros. O que não aconteceu, existem ainda hoje cerca de 144 mil pessoas, ou herdeiros, elegíveis para pleitear uma compensação. Estima-se que o governo recolheu US$ 100 bilhões, equivalente a 30% do Produto Interno Bruto (PIB).

No dia 20/03/1990 o IBOVESPA despencou 20,95%, 80% da moeda foi tirada de circulação no país e, após um feriado de três dias, o retorno com imensas filas causou outro desespero no brasileiro: os bancos sofreram uma liquidez e não havia dinheiro suficiente para disponibilizar para saques.

Com tarifas sobre serviços básicos como luz, gás de cozinha e telefone, com a extinção de vinte e quatro empresas estatais e a demissão de oitenta e um mil funcionários, lojas vazias e caminhando para a falência, grandes filas nos mercados para pegar o pouco dinheiro que restou para garantir a alimentação, busca por remédios, as pessoas entraram em pânico social ao perceberem o caos que para alguns foi irreversível.

Ondas de ataques e suicídios, infartos, tomaram conta do Brasil, como a de um agricultor que havia acabado de depositar o dinheiro da venda de uma propriedade e ao saber do confisco avançou com um carro na direção do Banco Safra, estilhaçando a porta de vidro. 

Collor negou a alta de suicídios ao confisco: “Não tenho conhecimento de aumento das taxas de suicídio, que possa ser associado às medidas econômicas. Falências podem ter havido, mas são parte da dinâmica natural de uma economia competitiva”.

Os índices de suicídio no Japão, que é muito acima dos índices registrados e divulgados, sempre foram altos, mas com o impacto da economia e questões psíquicas como sentimentos de culpa perante o fracasso da crise fizeram esses números dispararem. Em 1990, movidos pela cultura tradicional e com agravamento da economia em baixa, desemprego, falência, muitos sujeitos, jovens, adultos e idosos, cometeram suicídio. O acontecimento virou uma verdadeira epidemia suicida, o que o povo japonês considerou como “década perdida”.

Atualmente existe a Lei da Prevenção ao Suicídio/2006, com diretrizes públicas para lidar e conter a depressão e a ideação suicida, mesmo com quedas nos números, o índice de mortes por suicídio no Japão ainda á grande. Promulgada em 2006, a Lei de Prevenção ao Suicídio criada pelo governo lançou diretrizes e ações de saúde pública para tentar conter a depressão e o suicídio entre fatias populacionais mais vulneráveis. Os números têm apresentado queda ano a ano.

Portugal também enfrentou a crise, entre 2008 e 2012 houve um aumento de 22,6% de suicídios registrados pelos órgãos públicos do país durante crises econômicas.

Outro suicídio conhecido na história brasileira é a do ex presidente Getúlio Vargas. Vargas enfrentou uma grande crise política, aumento de inflação, postura nacionalista que defendia a anulação de influências de capitais estrangeiros, o exército refletia as tensões existentes. Em 24 de agosto de 1954 Vargas deixa uma carta despedida após não suportar a pressão do caos eminente:

“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. 
A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. 
Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. 
Ao ódio respondo com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. 
Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. 
O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. 
Nada receio. 
Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.”
Getúlio Vargas

Nos temos mais antigos foi notório, apesar de pouco discutido e estudado, o suicídio tanto entre escravos quanto em libertos que aconteceram em São Paulo. Estando estes em situações de miséria e exploração, rejeição e preconceito, medo e ameaças, optaram pelo suicídio ao invés do cativeiro.

A Coreia do Sul enfrenta uma das maiores taxas de suicídio do planeta, grupos sociais de idosos concentram inúmeros casos, pesquisas da OMS apontam que o ato está relacionado com a pobreza nessa faixa etária, eles vivem abaixo da linha da pobreza e a cultura os considera um fardo para os mais novos, o resultado são inúmeros casos de suicídio e tentativa de suicídio, principalmente em áreas rurais.

E quem nunca ouviu falar do Efeito Werther? Escrito por Johann Wolfgang Goethe, o livro Os Sofrimentos do Jovem Werther (1774) que relatava uma paixão de um jovem por uma mulher que se casaria com outra pessoa e comete suicídio, a trágica história de romance ocasionou um onda de suicídios na Europa, as vítimas cometeram o ato caracterizados no personagem: trajes similares ao do protagonista e uma pistola. 

O Efeito Werther, termo proposto por David Phillips, em 1974, é utilizado sempre que os índices de suicídio aumentam após algum caso divulgado.

Por que a crise ocasiona o suicídio?

Uma pergunta simples que parece ter uma resposta óbvia traz uma complexidade de temáticas para serem abordadas. 

Muitas pessoas utilizam ironicamente da frase “saúde mental hoje em dia é um artigo de luxo”, mais profundo do que a brincadeira, de fato a saúde mental também está em colapso e não é algo temporal, é uma recorrência causada pelos fatores psicossociais, influências do ambiente inserido, aumento na taxa geral de agressividade e intolerância com o próximo, falta de empatia.

Enfrentar a realidade não é somente um ato involuntário estimulado pelo desejo, isso é uma visão simplista da mente humana, enfrentar a realidade é enfrentar desemprego, fome, assédio, corrupção, falta de acessibilidade em saúde, situações de morte, desamparo em meio a crise econômica.

Tratando exclusivamente do Brasil onde a maioria da população de classe média baixa sobrevive com um salário mínimo nominal de R$ 1.100,00, incluindo contas básicas, alimentação e condução, geralmente com um provedor para o lar, e uma crise econômica que dispara constantemente a inflação sobre esses itens de sobrevivência, enquanto, segundo uma análise do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos aponta que o salário mínimo necessário deveria ser R$ 5.421,84, nos deparamos também com a crise existencial.

A crise existencial em decorrência da crise econômica provoca ansiedade, depressão, pânico, surtos emocionais, como apontam índices epidemiológicos, é um estado incessável de pressão e preocupação não somente consigo mesmo mas com o próximo, causada pela falta de perspectiva na vida.

Como afirmo no referido livro: “ A atitude, por mais civilizada que seja, frente à morte revela que o paciente está vivendo, psicologicamente falando, além da sua capacidade e é necessária uma reparação, compreender o que é a morte e seu significado coletivo e individual e o lugar que ela ocupa na psique do paciente, compreendendo a predominância das atitudes inconscientes em relação a esse fator que está o suprimindo.”

Essas vítimas não são notadas na sociedade que estão inseridas, muitas vezes a família não compreende o que é um transtorno psicológico, a empresa (pública ou privada) não tem um preparo adequado para observar que o sujeito está sofrendo com as psicopatologias para fazer uma intervenção adequada, a continuidade e o ritmo de vivência desenvolvem a ideação suicida, onde o indivíduo suplica pela vida e não pela morte, ele quer viver, ele quer dar um grito de socorro, ele precisa de uma escuta, de um acolhimento, de um direcionamento, mas ele encontra em sua frente apenas o vazio e a indiferença, e isso evolui para a prática suicida.

Políticas Públicas

O país está preparado e qualificado para lidar com o suicídio de forma preventiva e não de forma “lamentativa”? A resposta é óbvia, não!

Acessibilidade a atendimento e suporte na rede pública é protelado e lento, não correspondendo com a urgência da demanda. Nos planos de saúde a espera não é tão diferente, são meses para obter um encaminhamento e, muitas das vezes, só é ofertado uma opção de tratamento (em grupo).

Não há rigor no que diz respeito a atenção da saúde psicológica no setor de trabalho. O acompanhamento psicológico é tido por muitas empresas como “frescura”, laudos e atestados são rejeitados e desprezados como documento e o paciente pode perder o emprego por falta em crises.

As propostas e as discussões acerca do suicídio ainda são limitadas a campanhas eleitorais e publicitárias, partindo de um interesse de promoção pessoal e não uma atenção coletiva integrada, claro, não é via de regra mas trata-se de maioria. Profissionais que, por coerência técnica, deveriam ser escutados e convidados a traçar metodologias e planos de ação são esquecidos nos debates.

Leis que asseguram a assistência psicológica em locais como escolas e hospitais necessita de melhor regularização e fiscalizam para que de fato seja cumprido.

Enquanto o descaso permanece a demanda cresce.

*créditos nas imagens através de link


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